segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Surto

“Saia daqui, seu monstro”, gritava, enquanto três enfermeiros amarravam a camisa de força no rapaz. Alguns de seus companheiros gritavam junto, outros nem ligavam para o que se passava e continuavam a comer aquele alimento nojento. A luz fraca do refeitório era compensada pela lua que entrava pelas janelas cheias de grade. O clima, para um estrangeiro, era um misto de medo, tristeza e indignação. “Saia!”, gritava mais forte ainda.

Os 37 dias no manicômio ainda eram poucos para o rapaz viciado em maconha se livrar das alucinações frequentes. Os pais choravam cada vez mais nas visitas semanais ao verem que o filho ainda não conseguia escapar dos surtos. “Eu não vou te dar a minha comida, seu monstro! É minha, só minha”, esbravejava enquanto era encaminhado para o local mais visitado por ele nas últimas semanas.

Silêncio.

Solidão.

Já se passavam quatro horas, era madrugada. O jovem começava a se lembrar do ocorrido há pouco. Um simples copo com suco de limão o fez surtar, mais uma vez. O quarto escuro, todo fechado, com apenas uma pequena janela no alto da parede oposta à porta de ferro o fazia refletir sobre sua vida. “O que estou fazendo aqui?”, pensava. E lembrava da namorada que havia deixado do lado de fora, a contragosto. Os pais o colocaram à força no manicômio, pensando se tratar de uma loucura o vício do filho.

“Vamos voar até à Sibéria? Depois voltamos e eu te levo para conhecer umas pombinhas lindas da Praça da República”. O pássaro que havia pousado no parapeito da janela apenas o fitava. Parecia querer responder. Começava mais uma alucinação. Ele tentava se levantar, mas não conseguia. Os remédios, aplicados à força no trajeto entre o refeitório e a ‘solitária’, faziam efeito durante horas. “Estou indo aí para voar com você. O que acha do Egito? Queria tanto conhecer aquele tal de Cristo Redentor que tem lá”. O surto era resultado da ingestão forçada de tantas drogas mais fortes que a maconha. O diferencial era apenas uma bula.

Me lembro destas conversas com o pássaro até hoje. Acho que ele me entendia. Ou simplesmente queria fazer um ninho por ali. Só sei que ele sempre aparecia quando eu estava no quarto escuro, para me fazer companhia. A fuga do manicômio me fez bem.

Bem.

Só me falta o pássaro azul. Ou era laranja? Devia ser preto. Preto da cor da minha solidão terrena. Preto da cor do ódio que sinto daqueles enfermeiros. Preto da cor da arma em cima da mesa.

Preto. Agora tudo está preto.


Texto: Eduardo Godoy

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