terça-feira, 11 de janeiro de 2011

(des)Respeito ao passado

Durante 2010 comecei a perceber a desvalorização empenhada em prédios históricos. Prédios que revelam não só a arquitetura de uma época, mas trazem histórias escondidas em seus tijolos de barro artesanais e janelas de madeira. São resquícios da história local, de uma cultura retratada e localizada ao longo dos anos nas paredes descascadas de bibliotecas, cinemas, casas de comércio, bares e lares. E, depois de tanto tempo carregando as emoções humanas em forma de prédio, vão abaixo para dar lugar ao desenvolvimento desmedido e malvado. Tal desenvolvimento que se esquece do passado, relegando-o às fotografias em preto e branco. O filho desenvolvimento manda seu pai passado para o asilo do lixão, sem ouvir suas aventuras joviais, seus amigos e sentimentos. As lágrimas do prédio caem pelo encanamento da cozinha.

Antiga Biblioteca; futuro entulho

A foto acima, tirada na tarde de hoje, 11, é, talvez, uma das últimas imagens de mais um prédio que está morrendo em Santo Antônio da Platina. A casa, na rua Rui Barbosa, abrigou, durante anos, a Biblioteca Municipal José de Alencar. É (ou era) uma das últimas casas antigas no centro da cidade, tomada pelo comércio que vem se revitalizando nos últimos anos e enchendo as fachadas de placas e mais placas.

A Biblioteca foi alvo de uma matéria minha em 2008 devido aos problemas estruturais e administrativos. Chovia nas dezenas de livros armanezados em prateleiras que poderiam cair a qualquer minuto. Vi a situação pelas janelas, entreabertas, já que fui duas vezes ao local e não havia funcionário. Na terceira vez consegui conversar com um atendente, que informou que não poderia responder pelos problemas estruturais e a ausência de atendimento se devia à falta de funcionários da prefeitura.

Saí da Biblioteca e fui ao gabinete do Chefe do Departamento de Cultura, órgão integrante da Secretaria de Educação e Cultura. Dr. Neno Bartholomei disse que uma reforma era realmente necessária e iria sair, porém, sem data prevista. Sobre a falta de funcionários, resolveu na hora. Telefonou ao responsável, que disse estar de atestado médico. Acredite quem quiser... Em 2009 outros meios da imprensa local denunciaram a situação da Biblioteca Municipal, que foi transferida para uma recém-terminada ‘sala de comércio’, sem nenhuma característica que lembrasse um prédio cultural. Os livros foram salvos, mas o marco da cultura local, necessitada apenas de uma reforma, agora está indo abaixo.

Ao lado da demolição já é possível ver outro grande terreno, talvez do mesmo dono, com a terraplanagem pronta para se incorporar à área ‘limpa’. Possivelmente será construído mais um grande prédio para abrigar um comércio. Enquanto isso, a Casa da Cultura Platinense está fechada, esperando a prometida reforma; o prédio da antiga Casa Carvalho foi transformado em uma rosada lojinha de bijouterias; o velho Foto Tanko está dando lugar a outro ponto de comércio; a Casa das Meias morreu e em seu lugar levantaram duas lojas; o Calçadão Manoel Arrabaça Ribeirete, que eu chamava carinhosamente de ‘Calçadão Bossa-Nova’, foi transformado em uma mescla de cores estranhas, com pequenos espaços (das mesmas cores) para comércio de lanches e com postes de luzes horríveis; a praça São Benedito foi tomada por prédios públicos, inclusive uma Biblioteca Cidadã, do Governo Estadual, com arquitetura ‘sem-sal’; e a praça Frei Cristóvão Capinzal está às escuras, também aguardando a prometida reforma, principalmente no coreto (por mim tirava-o e colocava o antigo chafariz, muito mais bonito).

Os tijolos de barro artesanais e as janelas de madeira estão caindo. Com elas, o passado platinense, a história de uma cidade quase centenária e a cultura arraigada nos pisos e assoalhos de nossos antigos lares.


Texto: Eduardo Godoy
Foto: Eduardo Godoy

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A novela é mexicana, mas o protagonista é gaúcho!

O nome do protagonista é Ronaldo de Assis Moreira, vulgo Ronaldinho Gaúcho. O personagem secundário, ou principal, depende do ponto de vista, é Roberto de Assis Moreira, irmão e empresário do primeiro e conhecido apenas como Assis. O roteiro envolve drama, confusão, paixão, futebol e principalmente dinheiro, muito dinheiro.

O enredo teve início ainda no ano de 2010, com o fim da temporada no Brasil e o começo do vai-e-vem no mercado da bola. Também tiveram início os boatos sobre a volta do jogador ao futebol brasileiro. Os primeiros clubes a sondarem o craque foram Palmeiras e Grêmio, logo depois o Flamengo entrou na briga. Ronaldinho não vinha em grande fase no Milan e, como alguns jogadores na sua idade, estava desejoso de voltar ao Brasil, assim como fez Ronaldo. O Fenômeno chegou a fazer menção de repetir a dupla Ro-Ro com a camisa do Timão, e Andrés Sanches, presidente do Corinthians, manifestou a vontade e possibilidade de contar com Gaúcho no elenco, porém, tudo sem euforia e com certa distância.

Já a postura do Grêmio foi bem distinta da adotada pelo Corinthians. Os Gaúchos contavam como certa a volta de Ronaldinho às origens, afinal, foi o time gaúcho que revelou o craque e o projetou no cenário nacional, e quase tudo parecia certo. Quase tudo... O próprio jogador chegou a declarar que por sua vontade já estaria com a camisa do Grêmio. Sábio Ronaldinho, essa era SÓ a sua vontade, mas, sempre existem outros interesses envolvidos, ainda mais na transição de um dos maiores e mais cobiçados jogadores do mundo.

O Grêmio chegou a colocar caixas de som no Estádio Olímpico, para o que seria a festa no regresso do ídolo. Torcedores se aglomeraram em frente ao Estádio na espera do jogador. Nada feito, afinal, como dizem os ‘boleiros’, o jogo só acaba quando termina, e no caso das transições no futebol, o jogo só acaba quando o contrato é assinado. E assim foi com a novela Ronaldinho Gaúcho. A trama teve uma guinada e tanto com a entrada de outro personagem, Adriano Galliani, o vice-presidente do Milan.

Já na entrevista coletiva, concedida na última quinta-feira, 06, Galliani manifestou claramente a sua preferência pelo clube carioca. "A decisão final é do Ronaldinho e do Milan, mas pelo coração eu gostaria que fosse o Flamengo", declarou o dirigente italiano. No sábado, 08, já em reunião com representantes do Flamengo, inclusive a presidente Patrícia Amorim, no apartamento de Galliani, no Leblon, o destino do craque parece ter mudado de vez. “Acredito que Ronaldinho é 99,99% do Flamengo”, declarou o vice-presidente na saída do encontro. Já Patrícia Amorim, mais cautelosa, parecendo conhecer bem o ditado aqui já mencionado, disse que o Flamengo fez tudo que pode e que está animada, mas sabe das complicações da negociação. “A ansiedade é grande, mas o importante é que o Flamengo está aguerrido na busca de trazer esse grande jogador”, afirmou Patrícia.

A guinada na novela trouxe felicidade e euforia para os flamenguistas; decepção para corintianos e palmeirenses; mas principalmente despertou o ódio nos gremistas. Desde os mais simples até os mais ilustres torcedores do Grêmio, a demonstração de ira com o fim da trama é unânime. Faixas de repúdio ao jogador e ao seu irmão, que também jogou no time gaúcho, foram colocadas no Olímpico, com os dizeres: “R10 e Assis, que Deus perdoe vocês. Porque a nação gremista não vai perdoar!”. Fazendo menção a marca R10, que pertence ao craque. Além disso, os gritos de “pilantra” e “mercenário” não ecoam somente nos bares e padarias, mas também na Internet. O site ‘Dentuço pilantra’ (http://www.dentucopilantra.com.br/) foi reativado. O conteúdo da página não é nada lisonjeiro a Ronaldinho, muito menos ao seu irmão e empresário, Assis.

O ressentimento foi parar até no âmbito político: o deputado gaúcho Gilmar Sossella (PDT), torcedor declarado do Grêmio, disse que vai propor à Assembleia Legislativa que o jogador seja declarado ‘persona non grata’ no Rio Grande do Sul. A expressão em latim refere-se a uma pessoa que não é bem-vinda em determinado lugar. O desfecho da novela Ronaldinho mereceu comentários até da realeza do futebol. Pelé deu sua opinião sobre o caso e foi taxativo. “Ele deveria jogar de graça no Grêmio, já que ele ama o time. Ele está com a vida feita, né?”, criticou o Rei. Ele ainda relembrou a temporada de 1974, em que jogou de graça pelo Santos, já que o Clube passava por dificuldades.

Normalmente as novelas acabam nas sextas-feiras. Já essa, acabe quando acabar, já tem o resultado mais que explícito. Ronaldinho Gaúcho prejudicou muito sua imagem no Brasil, seja, como alguns dizem, por culpa de Assis, pelo decorrer dos fatos, ou mesmo por sua indecisão. Agora críticas surgem de todos os lados e, se o jogador, cultiva o sonho de jogar a Copa de 2014 no Rio vai ter que reconquistar a confiança dos brasileiros e principalmente, seja no clube que for, voltar a jogar o futebol que esperam dele.

Texto: Afonso Verner

sábado, 8 de janeiro de 2011

"Cidade Jóia de belezas mil..."

Santo Antônio da Platina (PR) - 06 de janeiro de 2011.
Foto: Eduardo Godoy

Bernardo está com medo da Globo. E mistura “liberdades”

- Do blog Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim (****)

O Ministro das Comunicações Paulo Bernardo prometia. Era o primeiro Ministro das Comunicações desde o fim do regime militar que não tratava a Globo com mel. Não fazia reverência ao Senador Evandro Guimarães, todo-poderoso homem da Globo em Brasília. Ia tudo muito bem – ele peitou as teles e disse que ia fazer banda larga a R$ 30. Até que ele se viu diante da Globo. E, aí, ele piscou.

O repórter Samuel Possebon, da respeitada Teletime, revelou que Bernardo não considera um marco regulatório, ou Ley de Medios, ou “como enquadrar a Globo” – prioritário. Bernardo, aí, disse no twitter que esse pessoal está muito “ansioso”. Devem ser o Possebon e este ansioso e ordinário blogueiro, que reproduziu a excelente matéria do Possebon. Agora vem a comprovação: Bernardo também tem medo da Globo. Vamos à prova indiscutível.

Hoje, na Folha (*), pág. A4, aparece uma entrevista do Ministro Bernardo à reporter Elvira Lobato: “Ministro defende proibição de que políticos tenham TV”. (Trata-se de uma defesa inócua, porque ele mesmo diz que é mais facil decretar um impeachment de Presidente do que aprovar isso no Congresso.)

Vamos ao que interessa. Lobato pergunta o que ele vai fazer com o projeto do Franklin Martins (nascido aos 45′ do segundo tempo do Governo Lula) sobre a regulação. Bernardo responde: “O projeto tem que ser colocado em debate público”. Tradução: vou depositar o projeto do Franklin na mesma lata de lixo em que repousam os quatro projetos de Ley de Medios do Governo Fernando Henrique. Se há um assunto que não precisa mais ser discutido é a Ley de Medios. Até porque o Governo anterior – a que Bernardo serviu com lealdade – convocou um fórum internacional para discutir a matéria e, aí, se tornou claro que “regulação” não é “controle”.

E quando houver a próxima eleição e a Globo derrubar a Dilma? Aí, então, o Ministro Bernardo vai se lembrar que o Brasil discute o papel da Globo há décadas? Será que ele nunca ouviu falar em “o povo não é bobo …”? Será que lá dentro, no Palácio, no dia da posse, ele chegou a ouvir essa singela homenagem do povo à Globo?

Lobato pergunta: o Governo quer controlar a imprensa (como se “regulação” significasse “controle”)? É a pergunta típica do PiG (**): misturar uma coisa com a outra para afugentar ministros trabalhistas. Resposta do ministro trabalhista: “… precisamos de um marco regulário” (Mas, todavia, contudo, entretanto – PHA) … há questões econômicas a definir : se teles vão fazer TV a cabo em larga escala, se a convergência das midias se dará livremente ou se vai ter regra para o jogo. Acho que tem que haver uma regra. A liberdade de expressão é vital na democracia e ninguém no Governo não vai mexer nisso.” Tradução: trata-se de um desastre revestido numa tragédia.

Primeiro. Se o Brasil for esperar para saber se a tv a cabo das teles vai ser “em grande escala” (sic). Se o Brasil tiver que esperar pela regulação da convergência das mídias… Se o Brasil tiver que esperar pela utilização do Windows nos tablets, como pretende Steve Ballmer (Estadão, pág. B12). Se o Brasil for esperar o Padim Pade Cerra romper com o Fernando Henrique. O Ronaldo Fenômeno emagrecer. Se o Brasil for esperar… Se esperar, a Globo, como faz desde o Governo João Goulart, vai operar num “marco regulatório” em que ela faz o que quer. (Especialmente dos parlamentares trabalhistas, que morrem de medo dela.)

Outra tradução: o Ministro não quer mexer na “liberdade de expressão”. O Ministro precisaria dar uma lida no excelente livro do professor Venício Lima, com prefácio de Fabio Comparato, sobre a diferença capital entre “liberdade de imprensa” e “liberdade de expressão”. “Liberdade de imprensa ” nessa democracia do Ministro Bernardo é a liberdade dos filhos do Roberto Marinho – eles não têm nome próprio. “Liberdade de expressão” foi o que faltou à Dilma, no jornal nacional, para responder à campanha do aborto que a Blá-blá Marina e o Cerra lançaram contra ela. “Liberdade de expressão” não têm os trabalhadores, os nordestinos, os homossexuais, os cadeirantes, os benficiários do Bolsa Familia, quando os “colonistas (***) do PiG e da Globo os desmerecem. “Liberdade de imprensa” o Cerra tem. “Liberdade de expressão” foi o que faltou à Dilma. “Liberdade de expressão” foi o que o Lula nunca teve no jornal nacional. “Liberdade de expressão” foi o que o Lula não teve quando o Ali Kamel levou a eleição para o segundo turno em 2006 – clique aqui para ler “O Primeiro Golpe já houve, falta o segundo”. Onde o Lula poderia se defender? Como a Dilma se defendeu das acusações do Cerra, da mulher do Cerra e da Blá-blá Marina sobre o aborto? No horário eleitoral gratuito, e olhe lá.

Essa mistura de “liberdade de imprensa” com “liberdade de espressão ” é exatamente a ideologia do PiG. E o Ministro Bernardo comprou o bonde do PiG.

Por fim, o Ministro defende – por omissão – a posição do PiG e da Globo num outro capítulo central. Pergunta a Lobato: o senhor acha justo que o Terra, que é da Telefonica de Espanha, tenha um portal da internet (a pergunta não foi bem assim. Foi oblíqua.)? Resposta do Ministro, recostado no muro de couro macio que o PiG armou: não sei. Isso é coisa para o Supremo. Supremo? Então, o “marco regulatório” também vai ficar para o Supremo? E o pré-sal, Ministro, o Lula deixou para o Supremo, ou aprovou no Congresso? O Ministro Bernardo usa uma antiga forma de despiste. Reveste de questão “tecnológica” uma questão “política”. Passa “ciência” com manteiga no pão da “ideologia”.

Amigo navegante, como diria o Galvão Bueno, depois que a Holanda empatou: a coisa já esteve melhor para o Brasil. Quando Paulo Bernardo foi nomeado e se pensava que ele não tratava o Senador Evandro de “Senador”. Parece que trata.


Paulo Henrique Amorim


(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que matou o Tuma e depois o ressuscitou; e que é o que é, porque o dono é o que é; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.

(**) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.

(***) Não tem nada a ver com cólon. São os colonistas do PiG (**) que combatem na milícia para derrubar o presidente Lula. E assim se comportarão sempre que um presidente no Brasil, no mundo e na Galáxia tiver origem no trabalho e, não, no capital. O Mino Carta costuma dizer que o Brasil é o único lugar do mundo em que jornalista chama patrão de colega. É esse pessoal aí.

(****) Link deste artigo: http://migre.me/3v1QD

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Clichê necessário

A era Dilma começa agora e é sempre bom lembrarmos um pouco sobre a realidade brasileira de tantos e tantos anos... desde Cabral. Essa realidade, porém, pode e deve ser mudada. Não só por políticos, mas pelo brasileiro! Afinal, somos espelhos uns dos outros, desde os atos mais simples, cotidianos, aos grandes rombos públicos. Começo de ano é o momento em que todos pensam em renovação. Renovemos também nosso pensamento. Esperançoso e justo 2011 a todos!



UNIMULTIPLICIDADE
Composição: Ana Carolina e Tom Zé

Neste Brasil corrupção
Pontapé bundão
Puto saco de mau cheiro
Do Acre ao Rio de Janeiro

Neste país de manda-chuvas
Cheio de mãos e luvas
Tem sempre alguém se dando bem
De São Paulo a Belém

Eu pego meu violão de guerra
Pra responder essa sujeira

E como começo de caminho
Quero a unimultiplicidade
Onde cada homem é sozinho
A casa da humanidade
Onde cada homem é sozinho
A casa da humanidade

Não tenho nada na cabeça
A não ser o céu
Não tenho nada por sapato
A não ser o passo

Neste país de pouca renda
Senhoras costurando
Pela injustiça vão rezando
Da Bahia ao Espírito Santo

Brasília tem suas estradas
Mas eu navego é noutras águas

E como começo de caminho
Quero a unimultiplicidade
Onde cada homem é sozinho
A casa da humanidade


SÓ DE SACANAGEM
Texto: Elisa Lucinda

Meu coração está aos pulos! Quantas vezes minha esperança será posta a prova? Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro. Do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente pra educar os meninos mais pobres que nós, pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais. Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais. Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta a prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração tá no escuro. A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e todos os justos que os precederam. 'Não roubarás!', 'Devolva o lápis do coleguinha', 'Esse apontador não é seu, minha filha'. Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar! Até habeas corpus preventiva, coisa da qual nunca tinha visto falar, sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará! Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear! Mais honesta ainda eu vou ficar! Só de sacanagem!
Dirão: 'Deixe de ser boba! Desde Cabral que aqui todo mundo rouba!
E eu vou dizer: 'Não importa! Será esse o meu carnaval! Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos.'
Vamo pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambal.
Dirão: 'É inútil! Todo mundo aqui é corrupto desde o primeiro homem que veio de Portugal!'
E eu direi: 'Não admito! Minha esperança é imortal, ouviram? Imortal!'
Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quizer, vai dar pra mudar o final!