quinta-feira, 21 de outubro de 2010

E no Chile, todos tiveram luz


Uma festa política e midiática surgida a partir de uma tragédia. Esse foi um dos aspectos principais do resgate dos mineiros presos na mina San José, no Chile. O presidente chileno, Sebastian Piñera, era o principal ator da operação. Deixou uma reunião do Unasul para mostrar trabalho junto aos trabalhos de resgate. É tido como o articulador das decisões e trabalhos e ficava na mina, no deserto, sempre que um fato importante seria anunciado (por ele, claro!).

Foi assim nos últimos dias do resgate, principalmente a partir do dia 12 de outubro. Foi Piñera quem divulgou o início da operação de retirada dos mineiros pela Fênix 2, diante de dezenas de câmeras do mundo inteiro. Foram mais de mil repórteres que se deslocaram de suas redações para o deserto chileno, com o propósito de cobrir o resgate e mostrar a angústia das famílias, os trabalhos e a ação do presidente.

É impressionante observar a correria dos jornalistas atrás da mesma imagem, da mesma fala, das mesmas pessoas, das mesmas informações. Foi talvez com esse objetivo de afastar um pouco os repórteres que houve a decisão da licença apenas para a TVN, pública, fazer filmagens no local nos dois dias finais da operação. Outra hipótese é a certeza de que o presidente chileno seria mostrado sempre em ótima posição, confortando as famílias antes da saída dos mineiros e abraçando os sobreviventes dessa história que, sem dúvida, será objeto de livros, filmes e documentários. Foi tentado mostrar o chefe do governo como um representante presente em todos os momentos necessários junto ao seu povo. E conseguiu.

O traço mais marcante neste acontecimento foi, porém, a presença maciça de bandeiras chilenas, por toda a parte, a todo o momento. Além das bandeiras, os gritos de “Si, si, si, ye, ye, ye; soy minero del Chile”. A população (ou os comandados do presidente) transformou todo esse episódio em um grande evento para se mostrar ao mundo. Foram dois meses em que as câmeras se voltaram a um país apagado internacionalmente. Em um jogo de marketing, aproveitou-se o momento para expor a imagem do presidente preocupado e perfeito nas decisões, a favor de um povo nacionalista e solidário. Toda essa festa com um pano de fundo trágico, lembra a morte de Tancredo Neves, o presidente que nunca assumiu, onde o brasileiro foi às ruas gritar por mudança, enquanto o caixão do ex-chefe passava atrás.

Desta vez, tudo deu certo. Os 33 mineiros estão nas suas casas, com bons empregos certos e eternizados nas páginas de livros e fitas de vídeo (ou em arquivos digitais, para ser mais moderno e realista). As famílias tiveram seus minutos de fama. O presidente teve sua imagem de bom moço divulgada no mundo inteiro, com vistas a um cargo mais importante internacionalmente. A população pode fazer sua agitação e mostrar seu valor cultural e solidário. A mídia conseguiu uma notícia para vários dias de trabalho. E alguns jornalistas puderam até fazer uma cobertura internacional, com a viagenzinha paga pela chefia. Todos saíram ganhando. E agora, qual é o próximo assunto?

Texto: Eduardo Godoy
Foto: Carlos Espinoza/AP

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