quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A pipa do meu vô não sobe mais

Meu vô é mestre em pipas. Pipas, ou papagaios, como queiram. Eu prefiro chamar de pipa. Pois bem, meu avô é expert na arte de construir pipas. Pipas que rasgam o céu azul de Santo Antônio da Platina, voando levemente com a brisa das férias. Minha maior lembrança da infância é ver meu vô vendendo pipas e jujóias (ou saquinhos, ou sacolés) nas tardes quentes do verão platinense.

Eu passava horas e mais horas na casa da minha vó durante as férias. Às vezes meu primo também ia. Nos dias mais animados, brincávamos com os vizinhos em um terreno abandonado ali do lado. Fazíamos caça ao tesouro, que não passava de uma latinha ou qualquer outro objeto que achávamos. Ou simplesmente ficávamos conversando sentados nas ruínas do que um dia tinha sido uma casa, enquanto tentávamos destruir as pequenas paredes que ainda estavam em pé. Os tijolos mais antigos são mais resistentes!

Em outros dias, outros tempos, brincávamos de carrinho de rolemã na rua da casa da minha vó, íngreme e não tão movimentada como hoje. Lembro de minha vó gritando pra gente brincar na calçada. Eu não gostava da calçada: me fez arrancar uma lasca da ponta do dedão do pé em uma descida mal planejada pelos co-pilotos. O freio falhou e eu estava de chinelo. Ou eu parava com meu pé na calçada de cimento ou ia direto para a rua e um buraco do outro lado, correndo o risco ainda de ser atropelado. Fiquei com a primeira opção.

Bom, mas voltando às pipas, dizia que meu vô é mestre nessa arte. Nas férias, vendia cerca de 10 a 15 por dia! Os garotos deviam me invejar por não ter que pagar minha pipa e ainda poder escolher a cor e o tamanho da rabiola (a cauda, feita com tiras de sacolas de plástico). E ainda tinha jujoia de graça! Qualquer sabor, a qualquer hora. Era a infância perfeita na casa da minha vó.

Hoje meu vô não constroi mais pipas com a agilidade de antigamente. Não que sua técnica tenha sido esquecida ou seus movimentos tenham ficado menos ágeis. É que não precisa mais atender a tanta demanda. Vende uma, ou duas, por semana. Segundo minha vó, os garotos aprenderam a fazer pipa. Não precisam mais comprar. O papel encontra em qualquer papelaria, com inúmeros desenhos, de todos os tipos e cores. O bambu é fácil de achar no supermercado ou em lojas de produtos rurais. Tudo ficou muito fácil. E meu vô não vende mais pipas. Mas eu garanto que nenhum desses garotos conhece a arte de construir pipas. Só sabem fazer. Isso até eu sei. Mas construir mesmo, com toda a engenharia milimétrica, rústica e apurada, é só com meu vô. Eles não sabem o que estão perdendo!

Texto: Eduardo Godoy

Um comentário:

Afonso Verner disse...

Belo texto. Frases curtas e diretas, linguagem acessível e agradável. Além do tema nostálgico. Parabéns platinense!